texto e fotografias: Sandro Cândido Marques
Recentemente, têm sido publicadas várias notícias sobre um invulgar afluxo de jovens europeus dos países do Sul para Berlin. Ao que parece registaram-se “enormes aumentos” entre os jovens gregos, 200 nos primeiros seis meses de 2010, 300 no ano seguinte. Vamos ser sérios, estamos muito longe de poder considerar estes números anormais. A livre circulação de capitais e de mercadorias tem associada a livre circulação de pessoas e o direito a procurar trabalho em qualquer país membro da União Europeia, em igualdade de circunstâncias.

A mobilidade dentro da União Europeia passará, caso ainda não o seja de fato, a ser tão natural como é para um jovem alemão procurar trabalho onde existem oportunidades, podendo para isso deslocar-se da sua zona de conforto. A ser possível implementar uma desigualdade no acesso ao mercado de trabalho entre cidadãos da União Europeia, não me parece que vamos no bom caminho, nem no caminho dos Tratados. Apoios como o chamado Hartz IV podem fazer alguma diferença como ajuda no processo de integração no mercado de trabalho, dando tempo para aprender ou aperfeiçoar a língua. A partilha de responsabilidades terá sempre melhores resultados com uma efetiva partilha de direitos, entre eles votar. Mas alguém pensa em vir para a fria Berlim por causa de meia dúzia de trocados? Jovens ambiciosos, talentosos, qualificados devem ter com certeza maiores expectativas. Mas então por que razões vêm para Berlim e não para Colónia ou outras cidades com melhores oportunidades de emprego? 
Já sabíamos que Berlin era uma cidade verde, governada por um presidente vermelho, que ganhou fama por considerar Berlin uma cidade pobre mas sexy. Por isso mesmo, Berlim tem tudo a ver com os jovens do Sul europeu. É uma cidade à sua medida. Entre Berlim e Ibiza há um elemento comum de atração, que se chama música eletrónica. Para um português, ouvir a mensagem de homenagem ao recentemente falecido Eurodeputado Miguel Portas ser proferida por Martin Schulz, atual presidente do Parlamento Europeu, em Alemão, só pode aproximar mais os corações. Que os gregos tenham muitas ilhas paradisíacas não é culpa sua nem deve ser motivo de cobiça para nós, seus filhos e irmãos. Se somos todos europeus nos bons momentos, também o deveremos ser nos menos bons. Partilhamos um futuro que se espera juntos na nossa imensa diversidade, para o bem comum.

Jovens Europeus Residentes em Berlim.


Cristina é uma jovem cientista que trabalha na área de ciências da Conservação e Restauro. Trabalha num laboratório com ligação aos Museus de Berlim. Sendo Berlim uma das cidades com mais visitantes de Museus, uma das principais atrações turísticas da capital Alemã, há a necessidade de pessoas altamente qualificadas que suportem uma das redes de Museus mais dinâmicas da Europa. Cristina trabalha em Berlin desde há três anos. A sua vida profissional não foi sempre um mar de rosas. Dada a natureza contratual do seu tipo de função, contrato baseado em projeto, nem sempre a sua permanência na capital Alemã esteve garantida. Por diversas razões de ordem pessoal, a escolha de permanecer em Berlim foi uma decisão com algum risco em termos profissionais e logo pessoais. Há um dinamismo cultural muito intenso, a sociedade tem em geral um espírito muito aberto e o carácter multicultural da cidade permite a Cristina ser porta-voz de uma conhecida O.N.G. onde os membros se expressam em Inglês nas questões internas e onde o contacto com a sociedade obriga por vezes a falar cinco ou seis línguas em apenas meia hora.

Museu Pergamon, Pergamonmuseum
Museu Pergamon, Pergamonmuseum

Alexandre é um Informático altamente qualificado que desde há cinco anos reside em Berlim. Depois do Doutoramento encontrou um emprego numa star-up que desenvolve uma aplicação informática para o mercado financeiro. Constituiu família e vive num dos bairros mais atrativos para jovens famílias, dada a enorme oferta em infantários, zonas verdes e demais estruturas sociais que facilitam a vida moderna. Um dado curioso é serem, estas estruturas, um legado do socialismo que imperou em parte de Berlim até há cerca de vinte anos. Outrora um dos bairros mais degradados de Berlim Leste é, agora, um dos mais jovens e dinâmicos em termos culturais. Dada a oferta em abundância de espaços vazios, por as anteriores atividades aí desenvolvidas se terem tornado obsoletas, muitas empresas encontram assim lugar para partilhar um local de trabalho, o conceito de coworking. Também os espaços culturais abundam nesta área, mas não só, da cidade. Desde música experimental a galerias de arte, de espaços para performances a ateliers artísticos, são muitos os jovens que encontram um espaço onde podem dar azo à sua criatividade.

Antiga Fábrica de Pólvora
Antigo espaço fabril onde têm lugar atualmente eventos culturais.

Hugo é um recém-licenciado em Estudos Europeus que chegou a Berlim através do programa Erasmus. Mesmo antes de os efeitos colaterais da crise se fazerem sentir sobre Portugal ou mesmo a Grécia, já havia uma clara intensão de permanecer em Berlim para lá do período de estudos referente ao programa europeu de maior sucesso até à data. A experiência de um estudante Erasmus é muitas vezes distorcida pela bolha em que a comunidade Erasmus permanece fechada, criando em seu redor uma rede de amizades e de partilha de experiencias que permanecem por vários anos. Hugo já desenvolve atividade como fotógrafo há alguns anos e essa foi a porta para romper a bolha e encontrar o seu lugar na cidade. Em Berlim entrou em contacto com uma comunidade de fotógrafos amadores que transformaram um pequeno apartamento num laboratório de fotografia partilhado. Há também espaço para arquivos, interação entre os vários membros e pequenas exposições. Do grupo de fotógrafos amadores fazem parte pessoas de várias gerações e oriundos de vários pontos da cidade. De certa forma, Hugo veio trazer sangue novo, criando um novo dinamismo e novos sonhos para o futuro do grupo. A possibilidade de melhorar os seus conhecimentos técnicos e artísticos na área da fotografia chegou com a entrada para uma das escolas de fotografia mais conceituadas na atualidade. Segundo o próprio, está a concretizar um sonho. A sua nova etapa passa por participar no maior festival de artes de Berlim, as 48 Horas de Neukölln, 48 Stunden Neukölln, em alemão. Entretanto, completou um estágio de seis meses numa empresa alemã que ambiciona ser líder mundial na sua área. Parte da sua estratégia passa pelo Brasil e para tal recruta falantes de Português para desenvolver a sua webpage.

Starusberger Platz, Berlin
Strausberger Platz, Berlin.

Miguel é um jovem recém-licenciado em História, que atualmente ocupa o seu tempo entre as aulas de alemão e um trabalho como ajudante de cozinha num restaurante de Tapas e Petiscos de Berlim. Para Miguel, viver em Berlim permite-lhe perceber o que é viver numa das capitais europeias mais dinâmicas e jovens da Europa na atualidade. Em Berlim é-lhe fácil encontrar muitos outros espanhóis, o que ajuda na integração inicial na cidade. O companheiro de casa de Miguel, criou uma associação cultural que cria e divulga música experimental. Segundo Miguel, a aceitação em Sevilha, sua cidade natal, assim como noutras cidades menos cosmopolitas, para formas de expressão artística algo mais inovadoras é reduzido. Não propriamente por causa de crises circunstanciais mas sobretudo pela falta de dimensão apropriada para receber de forma sustentável as mais variadas e inovadoras tendências artísticas. Assim sendo, o lugar onde se cria torna-se fundamental para uma verdadeira receção crítica. Sem massa crítica corre-se o risco de não se passar do “bonzinho”.

A classe criativa.

Estes quatro exemplos de vidas têm em comum uma cidade, Berlim. No período de cinco anos a que estes relatos se referem, o mundo em nossa volta mudou de forma significativa e em certos aspetos não voltará a ser como o conhecíamos. Não há nenhuma fatalidade nesse fato já que os ciclos de repetição com que a história nos brinda são um tanto mais longos. Berlim pode ser vista como uma cidade criativa onde uma nova classe, a classe criativa, encontra o lugar certo para dar ao mundo o que de novo se lhe apresenta. A facilidade em estabelecer uma empresa, proporcionada pela disponibilidade de espaços oriundos de um processo de desindustrialização que tem tanto de recente como de tardia, aliada aos necessários incentivos políticos é uma das características da atual Berlim. Os setores da economia com maior dinamismo são exatamente os que estão ligados às novas tecnologias de informação e comunicação, que dependem, por sua vez, de pessoas altamente especializadas e qualificadas. O setor artístico e cultural representa no seu todo cerca de 20% do PIB europeu e como tal, Berlim não pode ficar para trás como centro de criação e apresentação da nova classe, a classe criativa.