João entra no café com um passo apressado. Pela forma demorada com que olha para os poucos clientes presentes, parece procurar alguém. Afinal chegara antes da hora marcada. Tem assim tempo para procurar a mesa que mais lhe parece apropriada para o encontro.
Numa mesa junto à parede, está um homem com para lá de meia-idade. Sozinho com o seu copo de três e o maço em cima da mesa, fuma outro cigarro para não dar pelo tempo que não passa. O jornal, dobrado, já foi lido. Não encontrou nada que lhe dissesse respeito. Eram sempre as notícias do costume. Mais uma visita de sua eminência o Cardeal à Província, mais uma vitória do Benfica. Não tem pois, João, nada com que se preocupar. Dali não vem perigo. E porque haveria de vir?
Senta-se na mesa junto à janela. Aquela que lhe parece mais resguardada dos restantes clientes. Levanta a cabeça na direcção do empregado e aguarda que este lhe dirija o olhar. Debaixo do braço, João trazia um embrulho que colocou sobre o colo assim que se sentou.
– O que vai tomar? – Diz o empregado entretanto chegado à sua beira.
– Espero por companhia. Se não se importa peço depois. – Passando a mão pela garganta diz apressadamente – Mas olhe, traga-me então um de três que mato já, esta secura.
O empregado volta para detrás do balcão e sacode os ombros como que a dizer – Esta juventude nunca sabe o que quer!
Joana chega ao café, no seu plácido passo olha pela vitrina e localiza logo o João. Olha por cima do ombro para certificar-se de que ainda vem sozinha e dirige-se à mesa. Suavemente coloca a mão no ombro direito do João e senta-se à sua frente.
– Que susto! – Diz o rapaz de olhos arregalados. Suspira e sorri-lhe.
– Desculpa o atraso, fiquei a estudar e perdi as horas.
– Chegaste bem a tempo. O que tomas?
Nisto, chega o empregado com o copo de três na bandeja, apoiada no antebraço e com o tradicional pano dobrado suspenso no pulso.
– Aqui tem. Vão desejar mais alguma coisa? A menina? – Olhando para o empregado, responde apenas – O mesmo.
– Então e a aula? Valeu a pena?
– Sabes como são as coisas, uma chatice. Mas no intervalo falei com uma colega que nos pode ser muito útil. – E de que forma – responde o João pondo a cabeça meio de lado e a franzir o sobrolho. – Ela é filha de papás ricaços e a família tem uma casa ali para os lados de Paço d’Arcos. Convidou-me para ir passar o fim-de-semana e disse para levar quem quisesse. Podíamos ir com o Fonseca e com o Zé Pires e tratávamos de tudo. Que achas?
– Não sei, e o resto da família? Não vai ser fácil esconder…
– Não tens com que te preocupar, tirando os caseiros não vai lá estar mais ninguém, para além de nós e de dois outros amigos da Filomena.
– Sendo assim até pode ser bom mesmo. Temos que acabar depressa com isto. Já estou farto de “Democracia” até aos olhos.
O empregado chega mais uma vez junto dos jovens com outro copo de três e com o mesmo ar folgado de antes e coloca o copo em frente de Joana.
Então, a que brindamos? – Diz Joana
– Olha, brindemos à Liberdade!
Erguem os copos olhando-se mutuamente. Levam os copos à boca.
Não passaram do primeiro gole. Enquanto o empregado trazia o pedido, dois homens tinham entrado. Sentaram-se na mesa entre o fumador despreocupado e o empregado. Ao ouvirem o brinde dos jovens, saltaram de uma só vez e, abrindo o casaco com uma mão e retirando as pistolas com a outra, gritaram – Quietos! Somos da Polícia e os jovens vão connosco. Vão-nos acompanhar à “António Maria Cardoso”. Nada de gritaria e ninguém se vai magoar.
João ainda esboçou o movimento para se levantar mas a mão pesada de um dos agentes, no seu ombro direito, convenceu-o. Aquele impulso de resistência, fê-lo esquecer-se do embrulho que com estrondo caiu no chão. Do embrulho apareceram algumas folhas dactilografadas. Numa delas lia-se “Programa Para a Democratização da República”. Trabalho final de curso.
Anónimo