Em Berlim, tal como aconteceu em 2015
em Portugal, o Governo estadual é apoiado por uma coligação R2G (Rot-rot-Grün ), traduzido
para vermelho-vermelho-verde, ou seja, Socialistas, Bloquistas/Comunistas,
Verdes. Em Portugal chama-se Geringonça ao que aqui se designa por
R2G. Num país longamente habituado a coligações de governo, quer a
nível estadual quer a nível federal, é de salientar a diversidade
nas soluções encontradas. Há no entanto um leque de coligações
que ainda nunca se verificou: toda e qualquer uma que conte ou
precise do apoio do partido de extrema direita, o AFD.
Ainda não se verificou mas já esteve
quase. No estado federado da Turíngia, Thomas Kemmerich, líder
local dos liberais do FDP, chegou a ser eleito com 45 votos contra
44, apoiado pelas bancada do partido de Merkel, CDU e pela bancada do
AFD, liderado por Björn Höcke, ou seja, a extrema direita.
Traduzindo, uma coligação entre Liberais, Democratas Cristãos e
Nacionalistas/Populistas de extrema direita aliou-se contra a
esquerda para apoiar a formação de um governo regional. A esquerda
não se conseguiu entender com os verdes e o centro direita fechou os
olhos ao que aí vinha.
Kemmerich chegou a ser empossado no
parlamento regional como Primeiro Ministro e daí resultou a famosa
foto do aperto de mão a Höcke, prontamente comparada a uma outra
foto do passado. Durou três dias no cargo, acabando por se demitir,
o que levou à marcação de novas eleições.
As razões para a sua demissão são
fáceis de compreender. Em primeiro lugar a Alemanha entrou em
convulsão após a quebra do cordão sanitário que tornava
impossível alguém sequer pensar em formar coligações com a
extrema direita que, saliente-se, é não só a terceira força
política no Bundestag, parlamento federal, como ainda a primeira
força da oposição, o que em termos de folclore democrático tem a
sua importância.
Segundo, e sem estar a ordenar as
razões por qualquer ordem de valor ou importância, a até então
líder eleita da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, escolha quase
pessoal e direta de Merkel para a suceder no partido e com elevada
probabilidade de vir a ser a próxima Chanceler federal, demitiu-se
da liderança do seu partido. Desempenha actualmente as funções de
Ministra da Defesa no Governo de Merkel. Angela Merkel tinha já
decidido não se recandidatar e pôr fim à sua carreira política a
nível interno. Traçou um plano para a sua sucessão no partido e
pensou levá-lo a eleições.
Neste momento, e continuando a viagem
na tormenta, a CDU continua com um processo não planeado de escolha
do seu futuro líder que conta com pelo menos três candidatos, todos
homens. No seu último episódio, o congresso marcado para Dezembro
teve de ser adiado devido à Pandemia. As eleições federais para a
escolha da sucessão e Merkel serão também em 2021.
Numa nota mais pessoal, e por forma a
dar algum do tom com que se viveram esses dias por terras germânicas,
a possibilidade de haver um governo regional eleito e apoiado pela
extrema direita fez soar as campainhas do "vamos embora para
outro país que isto está a aquecer", ao que eu, deitando
alguma água na fervura, respondi: "calma, que nós vivemos em
Berlim e aqui os ventos são outros".
É verdade que no estado federado de
Berlim, que corresponde à própria cidade com os seus 4,3 milhões
de habitantes, ainda se respira a liberdade. No entanto, Berlim é
também a capital e na capital as coisas são sempre diferentes.
Annegret Kramp-Karrenbauer bem o pode
dizer. Mostrou a muitos que há portas que não se podem abrir quando
antecipadamente sabemos quem está do outro lado. A sua enorme
demonstração de grandeza política é merecedora de uma estátua no
meu panteão pessoal imaginário. Tinha tudo para vir a ser uma das
mulher mais poderosas do mundo mas, por razões para muitos difíceis
de entender quase que se pode dizer que abdicou do poder. Tiro-lhe o
meu chapéu.