sexta-feira, junho 04, 2010

50 ANOS DE DÚVIDAS

Uma mensagem de esperança.

Que a civilização europeia duvida profundamente de si mesma está bem patente nas incertezas quanto ao futuro comum da União Europeia. E, tal como responde Ortega e Gasset, apesar disso, nunca uma civilização morreu de um ataque de dúvida. Os sucessivos impasses no processo da construção europeia não impediram, no entanto, desde os tratados fundadores de Roma até ao mais recente documento produzido pelas instituições comuns, que o caminho da Europa se fosse fazendo. “Toda civilización ha nacido o ha renacido como un movimiento natatorio de salvación”.[1] A frase anterior foi proferida por Ortega e Gasset no decorrer de uma conferência proferida a 7 de Setembro de 1949, na Universidade Livre de Berlin. O contexto é o do combate íntimo do homem, face às suas dúvidas. O produto desta reacção é um precipitado. Uma nova fé, de que se veste e com a qual vai viver a nova era. Numa analogia, entendida por mim, com o trabalho do Químico que sintetiza um novo composto é perfeita. Perante um novo composto, sintetizado, purificado, analisado e no fim comunicado, alguns investigadores adoptam aquela postura característica das mães babadas, comportam-se como se de um filho se tratasse e a ele dedicam muito do seu pensamento.

Gasset foi autor de várias conferências nas Universidades alemãs; em Berlin (1949), em Munique (1953) e vinte cinco anos passados da publicação A Rebelião Das Massas, em 1955. A continuada dedicação de Gasset ao povo alemão impressiona, embora não mais que o conteúdo das reflexões proferidas e publicadas. Numa nota de rodapé, na obra citada (p.247-8), são relatados os ecos da passagem, em 1949, por Berlin, mostrando a avidez dos estudantes alemães, imagino que não só estudantes, em ouvi-lo. A desordem instalou-se, com necessidade de intervenção policial, dada a falta de lugares, nas preenchidas salas de aula onde foi possível instalar altifalantes. Em 1955, Gasset dirá que a sua obra, A Rebelião Das Massas, foi ali mais lida do que compreendida mas a humorística analogia entre o nome do livro e o sucedido não tardou, a aparecer nos jornais. Para além destes factos, aquilo que mais me prende é a função que Gasset sabe estar a desempenhar naquela altura. Foi falar de Europa no sítio em que mais necessária, por ventura, seria uma lição de humildade e de saber. Talvez tenha funcionado como o tónico que o povo alemão, derrotado na maior das guerras até a data, precisava para encarar o futuro de cara levantada e com a consciência serenada. Quis recuperar o significado de conceitos que tinham perdido o sentido. Penso que foi um bom recuperador de ideias e formas de pensar, interrompidas ou deturpadas, entretanto. Na altura, era o decano da ideia de Europa.

Um ponto comum entre Nietzsche e Ortega e Gasset, entre muitos, será a reflexão que fazem da situação de crise. A crise instalada, depois de um período de guerra, foi política e cultural. Em Nietzsche temos um elevar político, a formação do estado, e um posterior decaimento cultural. Em Gasset verificamos um declínio completo em termos políticos, no fim da 2ª Guerra Mundial. Se se verificou o erguer em termos culturais após as Guerras conducentes ao nascimento da Alemanha, será possível que depois da crise mundial tenha renascido a Europa?

Será a crise política actual fruto de um erguer cultural europeu marcado pela sua unificação? A Europa política ainda não conseguiu incorporar, no espírito, a sua nova dimensão. Estamos, então, no tempo do desenvolvimento da vertente cultural da nova Europa. É o tempo de compreender a forma viva, recriada. Explicá-la, será o próximo passo para um crescimento em termos políticos do projecto europeu de paz que, esperamos, viva e perpétua. Terá sido a compreensão de que a destruição seguinte poderia ser definitiva aquilo que nos tem impedido de uma nova catástrofe?

Gasset adverte: “…las catástrofes pertenecen a la normalidad de la historia, son una pieza necesaria en el funcionamiento del destino humano”[2], consciente, que está, do outro perigo, que é, o adormecimento criador. A superficialidade dos fenómenos de primeiro olhar - a penúria económica, a confusão política- actuais, será sinónimo de que tipo de crise-catástrofe? A que resulta da falta de vontade política ou da estranheza cultural vigente? Está pois, sugerido o caminho através do qual a Europa pode fazer-se.

A sociedade europeia.

Uma sociedade não se constitui por um acordo entre as vontades. Ao contrário, todo o acordo de vontades pressupõe a existência de uma sociedade. Ao pensar a sociedade europeia, Gasset desenvolve esta ideia, muito semelhante e indo na direcção daqueles que acusam, de tecnocrata, a construção do projecto Europeu. O direito não emana da sociedade, como um suspiro, naturalmente, mas é criado num ponto longínquo, tomando, por base, critérios que pretendem defender o bem comum mas que não são reconhecidos como naturais a ninguém. Os acordos que não favorecem nenhuma das partes, ou seja, que são igualmente maus, podem resultar num acordo positivo desde que o acordo seja suficientemente importante para o futuro imediato, pese embora poder ser uma fonte de futuros ressentimentos.

A sociedade europeia: tem costumes europeus, usos europeus, opinião pública europeia, direito europeu, poder político europeu. Estes elementos, caracterizadores sociais, desenvolvem-se naturalmente mas em diferentes estágios de evolução, conforme o avanço no caminho das idéias, efectuado pela sociedade em causa. O princípio da adopção das melhores práticas para os diversos ramos do saber, se forem só apresentadas como o melhor que se faz lá fora não terá melhor destino que toda a herança cultural europeia. Quer por simples resistência nuns casos ou por desajuste completo noutros, o ressentimento face à Europa é tanto português como de qualquer outra sociedade posta à margem ou que navegue noutra direcção.

Lisboa, Julho de 2008.




[1]Toda a civilização nasceu ou renasceu como um movimento nadatório de salvação”. Ortega Y Gasset, Obras completas, Tomo IX, Meditación de Europa, Madrid, Alianza Editorial, 1983, p. 252.

[2] “As catástrofes pertencem à normalidade da história, são uma peça necessária ao funcionamento do destino humano”. Ortega y Gasset, ob. cit., p. 252.

terça-feira, janeiro 26, 2010

NE CHANGE RIEN

Jeanne Balibar

Ne Change Rien
Os contrastes de Pedro Costa.
Uma silhueta traçada por um fio de luz toma posição no escuro, no palco. Acompanhada pelos reflexos dos instrumentos, por outras silhuetas, de gente, e pela música que timidamente produzem, Jeanne Balibar interpreta “Torture”. O contraste entre a imagem, tão finamente delineada, pontilhada por suaves focos, e a reacção do público convoca o primeiro arrepio.
“Ne Change Rien” dá-nos, a cada momento, a beleza do contraste entre: o claro e o escuro, a repetição até ao limite e a criação musical, a insegurança e a solidez.
É através do claro-escuro, magnificamente trabalhado, que Pedro Costa nos mostra traços de Jeanne Balibar, a desempenhar o papel de “Jeanne Balibar”. Vemos a cantora a lutar contra os tempos da canção, a interiorizar o ritmo certo para colocar as palavras, por entre fios de luz que saem dos corpos e que a pouco e pouco acabam por compor a sala. O mesmo acontecendo com a música saída da guitarra deRodolphe Burger, ao envolver o absoluto silêncio do estúdio. Desta combinação nascerá uma canção, nascerá “Cinema” por Jeanne Balibar.
“Ne Change Rien” documenta a aprendizagem dura e lenta, o voltar atrás constante, a repetição necessária, o caminho entre o satisfatório e o sublime. O plano, sempre fixo, discreto, é como o olhar de um convidado que assiste ao ensaio. É esse o nosso papel enquanto privilegiados espectadores. Será mesmo o único papel a ser desempenhado durante os 97 minutos do filme. O processo de criação da música está envolto numa tensão permanente que uma oportuna gargalhada ajuda a aliviar, e que, assim, nos permite libertar a respiração. Quem já teve a oportunidade de estar presente num momento de criação, com amigos, na garagem na sala de ensaios ou no estúdio, irá reconhecer essa tensão e o prazer que daí advém. O esforço dos longos ensaios e das sessões de gravação culminam nas performances ao vivo em que saltam à memória as dificuldades vencidas, elevando assim a nossa satisfação e reforçando a cumplicidade.
As músicas, compostas por Rodolphe Burger, com letras de Pierre Alféri, são apresentadas a Balibar para lhes dar voz, permitindo-lhe no entanto alguma margem na interpretação. Deste processo criativo surge o outro elemento de contraste que se dá entre a insegurança da intérprete e a solidez dos músicos, com Rodolphe à cabeça; assim como do contraste entre as vozes, a dela e a dele, a primeira cheia de leveza e a segunda mais grave. Contrasta ainda a voz límpida de Jeanne Balibar com a electrónica usada nalgumas músicas.
Pedro Costa filmou a actriz Jeanne Balibar, durante cinco anos, no papel de cantora que também é, registando assim o seu percurso por entre ensaios e gravações para os álbuns de Rock/Electro/New Wave, os ensaios para a ópera bufa de Jacques Offenbach, “La Périchole”, aulas de canto lírico, e concertos com a banda que perfaz o elenco do filme. A cantora afirma ser este um dos mais belos filmes que fez. Não representou um papel e acabou por se aproximar paradoxalmente do ideal profundo do que é isso de ser actriz. O filme não resulta de um projecto estruturado previamente, mas sim da sua permanente invenção ao longo dos anos decorridos.
“Ne Change Rien” segue os passos de Jeanne Balibar. As imagens, no estúdio de ensaios e de gravação, combinam instrumentos e demais aparelhagem, sempre revelados pelo subtil brilho de algum ponto de luz reflectido, deixando à imaginação a sua parte não iluminada. Mostra o mínimo, para deixar sonhar o máximo. É nesta atmosfera de meia-luz que se vão descobrindo alguns detalhes no espaço envolvente. Um gato, outro, uma lareira discretamente acesa, um pano com xadrez a cobrir peças de mobília, bancos. O exterior à casa entra por uma janela, já quase fora do plano em que a cantora está perante o microfone. Estamos na fase de gravações. “Papéis” estudados, trabalho de tecelagem, manobrado com botões e rato. Surgem agora as canções quase completas, a tensão aumenta e os planos tornam-se mais diversificados e curtos. “Cinema” está quase. A festa surge no entanto ao som de outra faixa do álbum “Slalom Dame”. “ Ton Diable” é o tema ao som do qual assistimos ao descomprimir em jeito de celebração, por parte da banda.
O slalom de Pedro Costa passa ainda pelo Teatro onde Jeanne Balibar ensaia “La Périchole”. Aqui, a câmara coloca-se numa posição mais lateral, vista da quarta parede, ainda como um privilegiado espectador de ensaios, virada para a saída de cena. São as cenas mais iluminadas.
O ensaio de canto lírico tem um plano fechado sobre a cara da cantora, revelando todos os pormenores do seu esforço e do seu sofrimento. Mais duas frases e acaba a lição. Respirar fundo outra vez.
Há outro lugar a destacar; Tóquio. Pedro Costa acompanha a banda. Filma cenas profundamente japonesas, pela contemplação do momento, com o som em fundo, de um ensaio, antecedendo um provável espectáculo. Aqui também, o exterior entra discretamente na cena, reflectido no vidro de um adereço na parede.
“Ne change Rien” termina com a banda a aquecer vozes e mãos, num improviso instrumental de “Rose”, penúltima faixa do primeiro álbum de Jeanne Balibar, no qual “Torture” é a última.
Inserido no género do documentário musical, de que “ONE PLUS ONE” (1968) de Godard será referência, passa para além do retrato da banda, e do registo do nascimento de uma canção; no caso dos Rolling Stones “nasceu” Sympathy For The Devil”, tendo pelo meio um exercício artístico com mensagem política.
Em “Ne Change Rien”, seguimos exclusivamente os passos da actriz Jeanne Balibar na sua pele de cantora, com uma narrativa cheia de tensão, alimentada pela repetição obsessiva, e que culmina no luminoso contraste de sombras da cena inicial.

sexta-feira, outubro 02, 2009

O Falcão

Hoje trago uma grande mágoa.
Fui guloso e comecei pela queijada. Seguida pelo café em chávena grande.
Nos mercados há regras. -"Só pode entrar às 7!"
- Começamos todos ao mesmo tempo? Mesmo sendo o primeiro? Ninguém com vontade de comprar tesouros! Eu não posso comprá-los?
Agora sim! Está tudo a postos.
Todos prontos para servir os prazeres que pessoas como eu procuram.
As cenouras parecem bonitas, estão demasiado bonitas, aliás.
Comprava uma couve, ali do meio do corredor.
Tenho comprado boas uvas. Irei, pois, procurar por boas uvas e baratas.
O fiscal é como o Falcão que afugenta os Pombos da pista.
Ningém vende nada, ninguém compra nada.
Levo daqui um pimento, um queijo, um pão, uvas.

Caminho

Abro uma porta.
Não vejo nada.
Encontro-me numa sala,
sem tecto.

De cima entra uma luz tão limpa e clara,
branca,
como o branco das ondas a desfazerem-se na areia.

Não se vê nada.
Sinto o crepitar do fogo preso nas velas,
que iluminam o chão,
delimitando o caminho a percorrer.

quarta-feira, setembro 16, 2009

Pour Pasolini

Não sei bem porque gosto tanto desta parte de "Caro Diário", se é só pela música, se pela poesia da imagem, se pela beleza e mestria do take (começa aos 59''). Merecida homenagem.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Na Praça

Inspirado por Calvino, nas locuções proferidas em contextos de que só ele saberá a glosa completa, venho à Praça, ao Mercado do Livramento, em busca de tesouros que, só aqui, sei poder encontrar.

Ora são os vegetais, frescos, policromados, que observo cá do alto, ora os produtos habituais, para mim, na Praça. O queijo, o pão, o peixe, talvez, fruta, e hoje coentros de certeza, para a massa de peixe de que desfrutarei por certo em casa.

Para mim, casa é em Lisboa. Um quarto, sem sala, com cozinha e pouco mais.

Que importa ao pombo o poleiro da janela, se o que lhe interessa é mesmo a pomba, ou seja, o prazer. O Desejo é o sentimento que o faz correr por entre folhas de alface, cenouras ou uvas doces.

O chá não vem, não sei que faça. Quase durmo, é preguiça. Dormir posso sempre mais tarde.

Quero um queijo, um pão, uvas, figos, coentros e salsa, cebolas se forem boas, que não façam chorar muito, também levo.

Vou procurar a menina mais bonita, que me vende estes tesouros pelos quais anseio, seja doce e bonita, nova ou velha, eu levo um conto.

Talvez amanha leve o peixe que, de certeza, me agrade.

"Cheers"

Pensando nas personagens da série, devo estar mais próximo de Cliff Clavin, o carteiro de Boston.

Não quero dizer que é o único carteiro em Boston, mas é o único que entra no Cherrs no final da ronda.

Penso em Cliff por me identificar com a personagem que pensa que sabe muita coisa, que até sabe, que pensa que são coisas interessantes para "revelar", que não são, e que pensa que eles não fazem ideia do facto que irá lançar como grande novidade.

Cliff é aquela personagem que quando é chamado para informar, ser um programa ao vivo, isto é, gravado perante um público, como se de teatro se tratasse, aviso para os tele-espectadores, claro, fá-lo convencido de que pouca gente tem conhecimento que "Cheers" é gravado perante uma audiência, viva.

Hoje sinto-me o Cliff, embora haja sempre uma parte, em cada um deles, com a qual nos identificamos, por instantes. Será esse o segredo do sucesso deste clássico?

Guernica II - Eu político me confesso

Deixando seguir a leitura jornalística, tento recordar-me então, a quais momentos vividos poderei eu vir a ser, por isso , considerado um homem político, num futuro distante, caso alguém se dê ao trabalho.
Espero que conste no testamento o meu primeiro acto consciente e recordado. Um funeral. Dia de "feriados" escolares, no ano da morte de Zeca Afonso. Entrei pela primeira vez num cemitério para assistir ao seu enterro. Teria 13, 14 anos. Que não quero fazer as contas. Para lá do caos, devido à multidão, recordo caras conhecidas a segurar a urna, ou na marcha que se fez, lenta, até à sua cova funda. O Janita?, o Vitorino, O Manuel Alegre. Acerca do último, vejo uma reportagem no "Público", a propósito da sua despedida do cargo de Deputado na Assembleia da República. Coincidências entre homens políticos? A sua despedida e a minha lembrança? Os comícios, no tempo dos comícios, não contam, que ia à Praça apenas para ver os artistas.
As manifestações contra as propinas, na 5 de Outubro, mas principalmente em frente à casa da qual o outro senhor se despede, deixaram, sem dúvida, marca profunda em mim. Também a Ponte, as portagens, as cargas policiais então muito na moda, a mando de um outro senhor que nada sabe ou de pouco se lembra.
Testamentado pode ficar também, uma participação efectiva como candidato, nas listas para a Associação de Estudantes de Ciências, a tal Lista que foi "apenas pagar" as contas da "S", mas da qual me afastei de imediato, ao ver a fome que por ali havia. Não de Feijoada mas do seu tacho.
Alegro-me (já sem referência ao senhor Deputado Poeta) apenas do facto de ter participado, como membro da Assembleia de Representantes da Universidade, na eleição do Reitor. Votei, sem problema pela franquesa, no Professor Barata-Moura. Por mais nada, os tempos da Joana que não comia o prato mas a papa foram importantes mas, à data era também o artista que ia ver. Fique ainda a participação na manifestação contra a Guerra de Invasão do Iraque (2003), no dia de aniversário de minha mãe. A figura de cartaz, de cartola à Tio Sam e pistola em riste, chamava-nos, de cara alegre (igualmente não pondo o senhor Deputado no barulho), e quer-me ainda parecer que o senhor Deputado Poeta também por lá se manifestava.
Se alguém o disser de mim, eu confirmo. Pela amostra podem imaginar o autor tão político como o artista de Guernica? Eu político me confesso.

"Guernica"

" Picasso era um artista muito mais político do que habitualmente se imagina." Segundo o artigo (P., Ípsilon, 24-07-2009), a justificação para a afirmação acima transcrita estará exposta na Tate Liverpool na próxima Primavera.
"...tudo isso estará na exposição...", sendo "isso", algo relacionado com a sua filiação no PCF, entre outros envolvimentos em causas que hoje se dizem cívicas. Certo!
Quer então dizer que há quem imagina o autor de "Guernica" outra coisa que não um homem político. Genialidade na obra faz do homem um artista e a bem do decoro público e do politicamente correcto, será bom que o homem seja apenas um artista. É a ideia de obra sem mensagem. Sem vontade de comunicar. O homem como intérprete que não tem a noção que pinta, escreve, musíca o mundo, com os seus sentidos, ainda sem a noção de que alguém será interprete posterior da sua afirmação estética.
Como eu vejo, o símbolo artístico de duas décadas de abomináveis actos, feitos pelo homem contra o homem, é Guernica. É-o por ser uma imagem do início. É-o por não ter sido suficiente, o que nela se relata, para parar de imediato a loucura humana. Desconheço o impacte na época e o momento da sua revelação. Terá a sua beleza estética encorajado a futura loucura de 20 anos?

Sobre Camões

de Fernando Pessoa in Diário de Lisboa, de 4 de Fevereiro de 1924.


"Luís de Camões"

"...
Em certo modo viveu o que cantou, sendo, assim,

o único épico que foi lírico ao sê-lo.

Essa sua singularidade, que é uma virtude,

é, como todas as virtudes, origem de vários defeitos."

Razões para...

Rossio


Para beber, o Sol.
Para sair de mim, um horizonte.
Para sentir, sofrer.

Para pensar, absorver o mundo.
Para chorar, a ausência pela morte.
Para recordar, a infância.

Para escrever, o vazio.
Para escrever, a vida.

Para sorrir, o belo.

Para rir, os amigos.

quarta-feira, agosto 26, 2009

De novo na Graça

Hoje dei uma grande volta para cá chegar.

Ao sair de casa, nem de cá voltar tinha certeza.

Hoje dei uma bonita volta, pelos bairros orientais de Lisboa.

Beato, Marvila, Xabregas, Olivais, Chelas.

Saí em busca da minha identidade perdida.

Custou-me uma fortuna. A perda. Mas voltei a encontrá-la.

Encontrada, desci à cidade para senti-la,

sentir-lhe o cheiro, o canto, o ritmo, o sentido.

Vai bem a cidade cujas praças se enchem de esplanadas cheias.

No 28, para casa, sobe-se e desce-se pelas colinas,

mas o caminho não me deixa chegar a casa.

Fica a caminho da Graça e ora que aqui fiquei.

Estando o céu encoberto por nuvens cheias, o Sol sente-se tímido.

O seu calor é levado pela brisa forte e sinto-o fraco.

Por outro lado, como a hora é já de Sol que se põe,

fica a cidade mais à vista por não sentir o seu calor nos olhos.



Estou triste por mim.

Aliviado por ter encontrado a identidade perdida.

Alegremente embriagado pela possibilidade desejada.

É a razão da minha alegria que me deixa assustado.


Temo revelar que, no fundo, a minha identidade, profunda,


permanente e nua, seja de um vazio profundamente escuro e sem sentido.

sexta-feira, julho 31, 2009

Vampire Weekend - Walcott

Eu sempre gostei mais desta...

Lendo "LORD JIM",

" You are so subtle, Marlow."
"Who? I? said Marlow in a low voice.
"Oh, no! But he was; and try as I may for the success of this yarn
I am missing innumerable shades - they were so fine, so difficult
to render in colourless words.

e J. Conrad continua,

Because he complicated matters by being so simple, too - the simplest poor devil!
By Jove! ...

FADO LOUCO

FADO LOUCO


Fadista Louco




A ideia de existir
Um Fadista Louco
Que não 0 melhor
Nos poemas cantados
No Fado,

Ou melhor
A ideia,
De ser eu,
O "Fadista Louco",

Será a razão
Para aprender
A cantar, a cantar
O Fado,

Ou melhor,
A ser eu
Fadista, Fadista
Louco.

FADISTA LOUCO


Alberto Janes

Eu canto com os olhos bem fechados
Que o maestro dos meus fados
É quem lhes dá o condão
E assim não olho pra outros lados
Que canto de olhos fechados
Pra olhar pra o coração.


Meu coração que é fadista de outras eras
Que sonha viver quimeras
Em loucura desabrida
Meu coração, se canto, quase me mata
Pois por cada vez que bata
Rouba um pouco a minha vida

Ele e eu, cá vamos sofrendo os dois
Talvez um dia, depois dele parar pouco a pouco
Talvez alguém se lembre ainda de nós
E sinta na minha voz o que sentiu este louco.
"FADISTA LOUCO" retirado de: http://meiamaquinameiamulher.blogspot.com/, sem pedido.

quinta-feira, julho 30, 2009

O sr. Resistente

Enquanto esperava pelo autocarro enrolei um cigarro, sentado na escadaria do pequeno largo da aldeia. Deve ser este o sítio onde se espera. Pelo fim do dia, pelo fim da vida, pelo início e pelo fim da viagem.
A dois metros esperando também, estava um velho, "o resistente". O cigarro foi o seu pretexto para puxar conversa. Estavamos em igualdade de circunstâncias. Eu esperava pelo autocarro sentado, ele esperava sentado pelo fim que lhe estava reservado para a quele dia.


_Nunca apanhei o vício do cigarro_ lançou ele, _Aos 9 anos comecei a trabalhar, cavando a terra. Custava naquele tempo 12 tostões, uma porção de tabaco._ Continuou, sem que eu o interrompesse, contando que naquela altura o isqueiro era proibido. Usavam uma pedra, que raspada noutra superfície, acendia o cigarro.

_Era para descançar as costas, fumava 5 ou 6 cigarros por dia. Eram os cinco minutos do descanço. Terminou, libertando por espanto, _ Nunca apanhei o vício.

Entre trabalhar na ponte de Lisboa, vender queijos de terra em terra e o trabalho "na lavra", fez de tudo. Fugiu com o pai de setúbal para a Comporta, por ser o seu velho Comunista e parecia agora fazer de memória viva da aldeia.

A aldeia da comporta está, hoje, maior. Mais casas de aluguer, mais turismo, mais gente. Há trinta anos tinha tudo isto mas em menor dimensão. As minhas recordações desses tempos são de uma época em que não se esperava por nada.

Desfrutava-se do Verão, das brincadeiras de criança, ao ritmo dos mais crescidos, sempre a lembrar-nos da hora de jantar, de tomar banho, dormir e da hora de parar de sonhar.

Afinal, o sr. Resistente e eu temos, como sempre e com todos, tudo isto em comum. Esperamos, sentados, pelo início da próxima viagem, recordando o tempo que passou.

Tendo escolhido aquela aldeia como refúgio para continuar a resistir, não sendo filho da terra, conhecia todos os que tinham um nome ligado à terra. Da minha madrinha dizia ser um amor de pessoa e que até lhe tinha feito uns cortinados que ainda lhe decoram a sala. Pareceu-me ser a única pessoa de quem tem uma boa recordação. Com o autocarro chegou o momento da despedida.

Boa Tarde.

segunda-feira, julho 13, 2009

Então sua Magestade?!



Então sua Magestade?




Sr. Galtung,


Let's start a petiton for global voting on one "first" global issue, even if climate change claimers are wrong, no one loses.


At the end, it's
Gaussian...The way richness is spread!




By Johan Galtung - 13 Jul 09

We find it all over, right now in the streets of Tegucigalpa, Tehran, Urumqi; as massive killing in connection with US-Allies attacks on Iraq, Afghanistan and Somalia, and elsewhere. There will probably be much more, looking at the world conflict maps.

Politically, each nation ruled not by its own kind but by some "majority", however sharing, distributive, democratic, but of some other kind--and there are very many of them, at least 1,900-- produces victims of violence, with huge potential for many more.

Economically, all the victims of a brutal capitalism, and it is exactly that, capital-ism, transporting capital upward from low to high making low lower and high higher so they die at the bottom and speculate the system into crisis at the top. Again, there are very many of these victims, so far at the bottom. But the system is so insane, and the focus on "bailout" rather than "stimulus" makes it even more so that major revolutions are highly likely.

Militarily, we have the new military order, the postmodern warfare between state terrorism and terrorism with civilians--women, children, the old--not as "collateral damage" but as targets. And once again, there are very many of those victims.

Culturally,
the major clash of civilizations, the Christian attack on the rest of the world since 1492, making evangelism a part of the general colonial-imperial package perpetrated on the world, is abating. But that a clash produce counter-clashes, particularly in the light of all the above, stands to reason.

Socially,
the direct and structural violence against women, as unborn, newborn, as children, for trafficking, sexualized violence and violent sex, as exploited labor all over inside and outside marriage, are rampant and have been so for a long time. Not strange that so many women preferred monastery to marriage.

And yet why that much violence right now?

Easy access to arms is one. The major arms producers are the veto powers in the UN. Judged by their long entries under human rights--except for France--in Amnesty International 2009 report, they are also major producers of anti-human crimes. This does not pass unnoticed, and their veto-right makes the UN increasingly not only irrelevant but counterproductive, on the way to oblivion.

Education is a second. Literacy is increasing enormously and one consequence is access to information that makes death by starvation or preventable-curable diseases not look inevitable, but the product of totally unacceptable economies. People all over the world read and watch information about the economic crisis also hitting the rich and draw their conclusion: this is man-made, exactly by men; hence avoidable, not a law of nature.

Human rights-democracy is a third. There is so much talk about the right to be master of one's own destiny, to decide in matters concerning oneself, that people and peoples all over the world want to go beyond rhetoric. That rhetoric was decisive in the struggle against an institution run by leading democracies, colonialism: the inconcistency was too flagrant. The same applies to the internal colonization of all those "minorities"--"" because this is about power and rights, not numbers--around the world.

Neo-religious awakening is a fourth. Less theocratic and dogmatic, more normative, making religious correctness political correctness; not excluding such secular values as education and human rights-democracy, not only in the Christian but also in the Islamic and other worlds. Those who believed that not only God but also religion was dead underestimated the religions as huge reservoirs of human wisdom about rights and obligations, with no secular substitutes able to produce equally compelling norms.

Woman emancipation is a fifth,
producing a backlash. As Göran Therborn says in his brilliant global history-sociology, Between Sex and Power: Family in the World, 1900-2000, by 2000 patriarchy had become "the big loser of the twentieth century". Once it was aristocracy, they hit back, like in Europe. Then the capitalist class, they hit back, like in and from the USA. Will men, unprepared for this, accept their abdication hands down?

But we need, we must have, education, human rights-democracy, women emancipation! And we cannot accept religious superstition with a divine mandate to kill believed in by so many adherents of the Abrahamic religions, Judaism-Christianity-Islam! Sure, but be aware that these four propositions are revolutionary in their implications. They carry new deals of cards in their wake, and holders of the old losing cards do not take that prospect gladly.

When the world's leading powers can get away with their violence and means thereof with impunity, even protected by a veto, we should not be surprised if many draw the conclusion that violence cannot be that wrong. If they resort to violence to uphold their privileges we should not be surprised if others use violence to obtain some. If they do not even have concepts of conflict resolution but see the goals by others as illegitimate at best and as rhetoric to conceal their evil nature at worst, then how do we get what humanity so much needs, a culture of conflict resolution as a part of a more general culture of peace? Even more important than control of arms and abolition of veto power. Instead we get an ICC twisted into an African Criminal Court run by the worst of the colonizers, the Dutch.

Yes, there is today less warfare among states. But much more among classes, nations, faiths and genders, aided by a fading state system. And other systems enter, with the habits of the old.



sexta-feira, julho 03, 2009

DEMOCRACIA

«A bandeira reflecte a paisagem imunda e a nossa gíria abafa o som do tambor.

«Nos centros alimentaremos a mais cínica prostituição. massacraremos as revoltas lógicas.

«Às terras aromáticas e dóceis! _ ao serviço das mais monstruosas explorações industriais ou militares.

«Até mais ver!, não importa onde. Recrutas do próprio querer, teremos a filosofia feroz; inaptos para a ciência, esgotados para o conforto; e que os outros rebentem. Este é o caminho. Em frente, marcha!»



tra-i-du-ção de Mário Cesariny, do poema DÉMOCRATIE, de Jean-Arthur RIMBAUD