quinta-feira, setembro 13, 2007

Últimos Dias de 2004


Todos os miradouros são deslumbrantes. Os que até agora conheci, pelo menos. Aqui, no miradouro da Sr.ª do Monte, sinto o apelo para escrever. Começo por um cigarro. Tiro do meu saco um livro. Entrar nos lugares, bem como a viagem no tempo que a leitura nos proporciona, é o suficiente para despertar em mim o apelo pela escrita.

Com os olhos na ponte, ladeada pelo sol que se despede, percorro o horizonte em busca de sinais que desencadeiem a torrente eléctrica que desperta os alvéolos da memória. Igrejas, o Castelo, a outra margem, o rio, o Cristo, a ponte, o Sol-posto, nuvens, arautos de tempestades, na direcção do mar, a Estrela e depois a cidade que se deita abaixo da linha do horizonte.

Começam a aparecer as primeiras luzes. De um momento para depois, a cidade fica salteada por pequenos pontos amarelos, lembrando luzes de velas imperturbáveis pelo vento que, no cimo do monte, me traz o frio da noite. Aqui e à minha volta, sou acompanhado pelos visitantes que procuram aprisionar uma recordação na película ou nos pixeis das máquinas fotográficas. Para infelicidade sua, apenas conseguem capturar uma finita fracção de horizonte. São belas as fotografias que têm horizonte. Mais tarde ao rever na memória as fotografias pedidas a quem os acompanhava no momento, será sempre decepcionante a comparação com a sensação experimentada. Sem o cheiro a pinho, o som ténue da cidade, dos ramos a dançar ao ritmo dos suspiros de zéfiro, do badalar nas igrejas, do choro de quem sobe ao monte para rezar e assim se aproximar mais de quem partiu e reside agora junto da imagem da Senhora do Monte.

O céu, ponteado por pequenos cirros, rasgado por gaivotas e queimado por aviões, adquire então a imagem de uma zona espectral própria da hora. O vermelho seguido pelo laranja, amarelo, verde, azul, acabando num violeta que se levanta nas minhas costas.

Vista do cimo do monte, a iluminação natalícia que de especial tem o facto de poder ser vista do espaço – resta saber por quem – torna-se assim insignificante quando comparada com o presépio que é a cidade cada vez mais abandonada pelo regresso a casa.

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