sexta-feira, setembro 14, 2007

01/01/07


Falam em voz baixa, quase sussurrando. Entre os dois, decidem o que vão pedir, aguardando pela chegada do empregado.

A sua aproximação à mesa foi curiosa, diferente.
Junto à mesa havia apenas uma cadeira. Um olhar demorado levou o homem a procurar uma outra para completar o quadro.

Ficou implícito no olhar desolado da senhora que era tarefa para o seu acompanhante. O marido.
Com a cabeça inclinada para o chão deu dois passos na direcção de uma cadeira recentemente abandonada. Pegou-lhe com ambas as mãos e ergueu o corpo deixando os braços esticados. Dirigiu-se então, com passos miudinhos e com a cadeira à sua frente, na direcção da esposa que o aguardava ainda de pé.

Tendo então a esposa decidido sentar-se na cadeira que os esperava, foi ternurenta a mudança de expressão que se lhe estampou no rosto. De um ar subserviente e amestrado de pessoa bem comportada adquiriu então aquela expressão de felicidade. Tinha composto o quadro.

Apenas os seus pedidos tardavam. Valia bem a espera. A cidade abria a noite.

Possibilidade Imaginada

Noite escura. Rio dormente. Negro.
A ausência da luz que te revela
Traz-me a possibilidade
De te imaginar. Aí. Firme, presente.
Correndo discretamente, ora para cima,
ora para baixo. Não o revelas. Apenas
sei que aí estás. A minha luta
por esquecer que a morte está presente
de dia e de noite obriga-me a
tomar por certo a tua existência.
Assim como os fantasmas existem
na possibilidade imaginada.

Corro. Salto as barreiras. Vivo e morro
em cada dia. A meta não é
um objectivo. A experiência de cada dia
basta-me.

Escuro total. Silhuetas perfeitas.
A noite torna-se a manifestação do
mundo sem sombras. Sentimos
essa falta e achamo-nos
abandonados.

Há uma hora em que somos avisados.
- Repara como eu sou livre.
- E por breves instantes ela desaparece
sob os nossos pés. Na maior parte
dos dias estamos desatentos ou
ocupados demais para ouvir o aviso
é chegado o momento do crepúsculo.

- Tornas-te enorme, fina, poderosa.
Mais do que nunca a sua presença
transmite-nos aquele sinal de
segurança. Como um anjo da guarda.
De repente some-se. Para onde irá?
Para leste. Esse oriente saudoso.
Origem da nostalgia que nos
embala e nos espreme a alma.

A sombra escura é aquilo que define
o dia. A noite é apenas a sua
ausência.

Setúbal é um presépio. Apenas
há lugar para um São José, uma
Maria, duas ovelhas, um burro, uma
vaca, três reis Magos, etc..
Todos os lugares estão tomados.
Não necessariamente pelos melhores
representantes.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Rainbow Warrior

No jornal da sua morte não morreu o caçador.
Recorda-se a criação verde, pela paz, de que foi pai com amor.
Não haverá a partir de hoje outro arco-íris igual.
Em todos irei procurar, para além do espanto absurdo com o truque dos elementos, o arco que ele usa para perfurar alguns vilões.
Estarás sempre entre os tons que compõem essa cromática ilusão.
Bob Hunter morreu. Os guerreiros não.

@ Graça

“ Quando chegar a minha vez de ir para Nova Iorque será para publicar livros. Muitos.”

Ela senta-se com um bloco de notas e uma caneta e assim, cria as suas histórias. Quando li, num jornal de domingo, esta revelação do seu método, de imediato fiquei com a sensação de que é clara a vantagem do bloco de notas. Hoje, ao reparar na companhia momentânea da mesa ao lado, nota que também ela usa um bloco de notas, com espiral à cabeça. Fiquei de imediato com vontade de escrever. Como ela. Como ele.

Como é desordenada a construção em Lisboa. Entre amarelo, branco, e cor de tijolo, Amontoam-se sonhos de vidas que nem sempre podem sonhar. Nem sempre têm tempo. Como uma trave mestra que suporta o telhado, aberto para o céu, o tabuleiro da ponte limita os que não sonham. Aqui.

Se eu pudesse, traçaria em papel e com carvão, um sonho por casa, por telhado onde habita um coração.
Mas são tantas as janelas, fechadas pela mão, que não mais fecho os olhos, fujo da escuridão.

Últimos Dias de 2004


Todos os miradouros são deslumbrantes. Os que até agora conheci, pelo menos. Aqui, no miradouro da Sr.ª do Monte, sinto o apelo para escrever. Começo por um cigarro. Tiro do meu saco um livro. Entrar nos lugares, bem como a viagem no tempo que a leitura nos proporciona, é o suficiente para despertar em mim o apelo pela escrita.

Com os olhos na ponte, ladeada pelo sol que se despede, percorro o horizonte em busca de sinais que desencadeiem a torrente eléctrica que desperta os alvéolos da memória. Igrejas, o Castelo, a outra margem, o rio, o Cristo, a ponte, o Sol-posto, nuvens, arautos de tempestades, na direcção do mar, a Estrela e depois a cidade que se deita abaixo da linha do horizonte.

Começam a aparecer as primeiras luzes. De um momento para depois, a cidade fica salteada por pequenos pontos amarelos, lembrando luzes de velas imperturbáveis pelo vento que, no cimo do monte, me traz o frio da noite. Aqui e à minha volta, sou acompanhado pelos visitantes que procuram aprisionar uma recordação na película ou nos pixeis das máquinas fotográficas. Para infelicidade sua, apenas conseguem capturar uma finita fracção de horizonte. São belas as fotografias que têm horizonte. Mais tarde ao rever na memória as fotografias pedidas a quem os acompanhava no momento, será sempre decepcionante a comparação com a sensação experimentada. Sem o cheiro a pinho, o som ténue da cidade, dos ramos a dançar ao ritmo dos suspiros de zéfiro, do badalar nas igrejas, do choro de quem sobe ao monte para rezar e assim se aproximar mais de quem partiu e reside agora junto da imagem da Senhora do Monte.

O céu, ponteado por pequenos cirros, rasgado por gaivotas e queimado por aviões, adquire então a imagem de uma zona espectral própria da hora. O vermelho seguido pelo laranja, amarelo, verde, azul, acabando num violeta que se levanta nas minhas costas.

Vista do cimo do monte, a iluminação natalícia que de especial tem o facto de poder ser vista do espaço – resta saber por quem – torna-se assim insignificante quando comparada com o presépio que é a cidade cada vez mais abandonada pelo regresso a casa.

domingo, maio 06, 2007

Solidão

Solidão é acreditar num sol que só a mim pertence.
Mesmo que não retire o sol a ninguém.
É não querer acordar, para não não te ver também.
Por não ter com quem festejar, preferir quem nunca vence.

É servir à noite para jantar, dois pratos, dois copos, vazios.
Para não ter a quem perguntar se viu o que mais ninguém viu.
Usar barba por não se lembrar, do beijo num rosto macio.
É ser pepita de sal numa lágrima, chorada na nascente dos rios.

Não casar, não ter filhos, ser velho aos quarenta,
Não amar nunca mais para não sentir o coração.
Assim querer continuar, pelo menos até aos noventa.

Percorrer mundo com semente na palma da mão,
Em busca da terra que melhor a alimenta.
Para poder viver mais tempo em solidão.

quarta-feira, maio 02, 2007

Poema em Construção

Tal como as nuvens

pairavam suspensos por fios imaginários

Infinitamente paralelos

apenas de perto perceptíveis

Pontos e traços

de uma mensagem eterna

decifrável usando um segredo

conhecido por quem partilha sentimentos ainda eternos

Vagueavam num carrossel ondulante

os pontos e os traços

da cifra do amor

Na terra deitado a lua admirava

Tinha-a por companheira num porto de mar

Pontos e traços em segredo desenhavam

no breu do firmamento

esquissos do teu beijar

quarta-feira, abril 25, 2007

25 de Abril...ás vezes!!! Fascismo nunca mais!!

Relato de acontecimentos, dirigido a um director de jornal.Caro Sr. Director,
  • - Por volta das 19.30 H do dia 25 de Abril de 2007, em plena Rua do Carmo, junto ao c.c. do Chiado, decorria uma manifestação autorizada pela polícia, tendo em conta que a acompanhava, tal como é costume em qualquer manifestação
  • - Após alguns indivíduos terem pintado numa parede algumas palavras, cerca de 6 elementos das forças policiais, apenas identificáveis pelos cacetetes que empunharam depois, agarraram os prevaricadores.
  • - Tendo os detidos manifestado alguma resistência, o caso, até aí banal, mudou completamente de figura.

  • - Os manifestantes, voltaram-se para trás, subiram a rua do Carmo e tentaram resgatar os seus companheiros de manifestação. Os elementos policiais, que não ostentavam qualquer identificação, repito, chamaram obviamente reforços.

  • - Em apenas um minuto, a Rua do Carmo estava cercada por cima e por baixo, por forças policiais anti-motim.

  • - É claro que devido ao dia em questão e à zona em causa, estavam muitos turistas, crianças, idosos, meros transeuntes e clientes do comércio que envolve toda a zona do chiado, na Rua do Carmo, no preciso momento em que o motim começou.

  • - A natureza contestatária dos manifestantes (devo referir também que se tratava de uma manifestação contra o neo-fascismo e contra a xenofobia), bem conhecida anteriormente pela polícia, podia ter sugerido aos responsáveis policiais, adoptar uma posição mais cautelosa.

  • - Mostraram no entanto, muita coragem e sentido do dever, pois, não se detiveram perante a primeira provocação fora da lei.

  • - Eu, tendo saído do c.c. do Chiado naquele momento, resolvi deixar passar a manifestação e segui calmamente na traseira da demonstração, pretendendo sair dali na rua do elevador de Santa Justa, em direcção a casa.

  • - Em dois segundos estava no meio da confusão. Dirigi-me, descendo o Carmo, para o local onde estava a maior parte da polícia de choque.

  • - Reconhecendo, pela posição e atitude, aquele que me pareceu ser o responsável máximo pela força policial, tentei perguntar-lhe se devia e podia passar para trás da barreira policial.

  • - Apenas ouvi um outro elemento policial, dizendo ao seu superior - Sr. Intendente (não me recordo se era mesmo intendente ou comissário…), saia daí (qual general, estava na frente do barreira policial) - e claro, não obtive resposta, ou melhor percebi logo que ali é que eu não ficava e passei por eles bem encostadinho à parede, sempre olhando-lhes nos olhos (que os meus mostravam claramente por quem eu estava; pela minha Saúde e Liberdade).

  • - Olhei então para trás e foi ver os manifestantes, que pena tive deles, a uns bons 15 metros da polícia, espremendo-se uns contra os outros, sem possibilidade de fuga, como rebanho cercado por lobos esfomeados.

  • - Deu-se a carga, fugiram por onde conseguiram os jovens manifestantes, levando tanta pancada quanta lhes conseguiram dar os polícias, e tudo isto sem ter ouvido uma só palavra pela parte do Sr. comissário. Foi só após uns bons minutos que se ouviu da parte de um dos policiais, um igual a todos os outros corajosos policias, uma palavra na direcção dos transeuntes que como eu estavam no meio daquela trapalhada. -Saiam já daqui! Para baixo! Fora!- e foi um pandemónio.

Uma bela imagem de Democracia oferecida aos inúmeros turistas que ainda vêm a Portugal para celebrá-la.


Já agora, devo também relatar que não vi ninguém a oferecer cravos.

Nem a Polícia, nem os manifestantes, nem os turistas, nem os comerciantes.

Já não se dão cravos no dia em que se comemora a Revolução dos cravos.

Dá-se pancada.

Dão-se péssimos exemplos de tolerância.

Mas continua a ser legal o cartaz do PNR em pleno Marquês de Pombal. Tem, mesmo, direito a protecção policial.

Verifiquei hoje que 6 elementos da PSP o guardam bem guardado.
Quando a Faculdade de Letras foi vandalizada com símbolos fascistas onde é que andava a PSP?
A guardar o dito cartaz?
Viva a Liberdade!

sábado, março 31, 2007

MANIFESTO



Uma sociedade dita activa, quando se trata de defender as melhores soluções para os seus problemas, que alicerça essas soluções em valores e que os projecta numa forma de organização política a que chamamos Democracia, é, a meu ver, uma sociedade que intervém.


Quanto à forma individual de participar nessa escolha, surgem então as seguintes questões – Como pode um indivíduo, membro desta comunidade, com pleno direito a participar na sua construção, escolher a melhor alternativa, não para si, apenas, mas para o bem comum, sem estar devidamente informado acerca das diversas possibilidades de escolha? A quem cabe o dever de informar?


Em primeiro lugar e desde logo, às instituições que dispõem de informação oficial, formalizada através de um quadro de valores estabelecidos o mais consensualmente possível. Esta pode parecer uma conclusão demasiado óbvia, e por isso, de certa forma irrelevante. Mas será mesmo assim?


No que concerne com esse suposto quadro de valores, cabe claro, às instituições, às organizações e a todos os particulares que o defendam, transmitir essa informação. É pois uma responsabilidade que obriga a todos. Esta é, também, a raiz da organização da sociedade, politicamente falando, por partidos.


No plano das instituições, e tratando-se de valores fundacionais de uma sociedade, parece-me perigoso que defendam uma orientação oficial desses valores já que estes não são referendáveis.


O processo eleitoral, quando transparente e livre, “dita” a força do partido, da ideia, do valor, do modelo mais votado para a construção dessa sociedade, bem como para o seu desenvolvimento.

Posto isto, vou então voltar à questão formulada anteriormente sobre o dever de informar. A responsabilidade de fornecer / obter informação.


Numa sociedade evoluída, democrática e em plena era da Informação, cabe às suas instituições, em primeiro lugar, aquelas que têm precisamente como função defender e fazer aplicar os valores normalizados e aceites, fornecer toda a informação. Aqui, há que ultrapassar a ideia mais ou menos plasmada no inconsciente individual, referindo-me às leis, de que o desconhecimento não desculpa o incumprimento. Princípio com o qual discordo em grande medida. Punir sem informar previamente é tanto uma chantagem como é também uma forma ditatorial de fazer valer a lei.


Para cada grupo social que se torne isolável por partilhar um mesmo conjunto de características, deve, a instituição, recorrendo a todos os meios postos ao seu dispor, fornecer a informação necessária. Educar. Transmitir o conhecimento para que possa ser replicado nos actos individuais desse grupo isolado. Cabe igualmente ao interessado manter-se disponível para receber a informação mais actualizada.


Resumindo, o indivíduo dá à organização, à instituição, os meios para que forneça informação e a responsabilidade de a transmitir. Processo dialéctico e dialogante, de preferência.

Apenas atingido o estado de conhecimento necessário e suficiente, pode o indivíduo, o grupo, escolher conscientemente, racionalmente. Ou seja, exercer a liberdade que advém da escolha racional.

Às instituições, apenas podemos exigir a conduta acima defendida tratando-se de questões previamente normalizadas, pela sociedade, e de forma democrática.

Quando o problema que se põe é novo, não normalizado, não se pode pedir à instituição que nos representa e à qual incumbimos o dever de nos informar e proteger, que escolha por nós. Cabe-nos então, como sociedade activa, estabelecer a nova norma que queremos ver defendida e aplicada.


A sociedade vê-se então perante uma nova questão, um novo desafio e tem, apenas ela, a responsabilidade de encontrar a solução que melhor se adapta ao problema colocado. Como chegar lá é agora a questão.

Em primeiro lugar fomentando o livre debate de ideias, seguido da divulgação e transmissão das possibilidades encontradas, tendo no fim lugar o processo decisório.

Aqui, convém garantir a existência de um órgão neutro que se encarregue de todo o processo e de garantir a sua democraticidade. Se possível, esse órgão deve ser exterior ao grupo para legitimar no exterior, a solução encontrada.

Toda a instituição é questionável, destituível, estando o processo que leve a que tal aconteça, consagrado.

Neste momento da reflexão surge então o papel das elites. Penso na elite como corpo da arête, como o defendiam e ensinam os “Clássicos”. Quem dispõe do conhecimento retrospectivo, quem pode reflectir com base na História, tal como nos ensinam, dispõe das melhores ferramentas para orientar ou então para colocar as hipóteses mais adequadas, de acordo com o quadro de valores perpetuados ao longo das gerações que nos antecedem.

Onde está então a nossa elite?

Venho convocá-la para a discussão que se impõe. Questionando tudo e todos. Sem receios ou complacências. É preciso chamar os membros da sociedade para que falem.


Tahar Djaout era o nome de um escritor e jornalista argelino, morto em 1993, no período em que aquele país se viu confrontado com um tortuoso processo político e eleitoral. Este escritor, defensor em primeiro lugar da Liberdade, escreveu, entre outros, o livro “Os Vigilantes”.

Na edição portuguesa, este livro contém uma nota editorial antecedida por uma reflexão de Tahar Djaout que deixo agora à vossa consideração:


“ O silêncio é a morte
E tu, se falas, morres
Se te calas, morres
Então, fala e morre.”

E vós, como quereis morrer?

quinta-feira, março 22, 2007

Inquietante

Os últimos acontecimentos no processo eleitoral deixaram-me inquieto.

Algo tem de ser feito.
Se somos mesmo a maioria então temos que o demonstrar.
Os mais valorosos de nós sempre fomos?
Esta é uma excelente ocasião para afirmar valores.
Liberdade?
Igualdade?
Fraternidade?

Vamos então ver o que valem estas palavras soltas.

sábado, fevereiro 10, 2007

Página # 32

Mais um dia chuvoso. Mais um ano.
E no intervalo que se estabeleceu entretanto
Tanto mudou. Mudou o calendário,
Mudei eu. Um ano de Mudas e danças.
Dancei de tanto estar parado.No coração.
Ou não. Mudaram os usos, mantiveram-se
os costumes. De tarde e de noite descemos
vezes sem conta a uma praça no fim da
cidade. Tinhamos a certeza de lá
encontrar um recanto acolhedor.
Por vezes era tão só para afogar a
sêca dor. Por vezes era mesmo em busca
de Amor.

sexta-feira, junho 02, 2006

quinta-feira, maio 06, 2004

LEITO DE MENTE

" Como é perpétua a embriaguez com que alegro a mente!"

sábado, maio 01, 2004

Silêncio

Filmes, imagens, cheiros da tua ausência,
Inundam-me o espírito de solidão.
Levam-me o sono, a fome e a paz.
Induz tanto frio o teu silêncio.
Poderei ouvir-te uma expressão,
Amiga, sincera, estulta, tanto faz?

sábado, abril 17, 2004

domingo, abril 11, 2004

SEM CERTEZA

zero absoluto.inércia suprema.
perpétuo sentimento de vazio.
apesar de a vida proseguir e se adensar
de implantes, o sentimento é de imobilidade.

no momento do primeiro passo, terei força para tal fardo?
não estou por certo mais forte, nem por fora.




o primeiro passo foi dado.

fui forte.

A DÚVIDA DINAMICA

Parado. Este sinal vermelho segura-me, sem possibilidade de avançar ou recuar.
Não é por isso que aqui estou mas já que assim é, aproveito. A dúvida que me mantém neste ponto, qual zero absoluto, prende-se com a incerteza, ponderável, sobre qual a direcção a percorrer em pensamento.
Ao focar a reflexão no espectro temporal passado, deparo-me com uma dispersão considerável de factos, tão concretos como a minha visão permite que os absorva, tendo em conta a desfocagem da memória. Neste ponto, a dúvida reside em retirar daqui algo de válido para o que no futuro vou poder realizar.
É também incerto e quem sabe igualmente vasto, o espectro futuro.
Da decomposição destes dois periodos devem sobressair algumas certezas que se possam considerar válidas para construir um desígnio.
Como acontece com a neutralidade. Se colocarmos um corpo neutro num universo de entidades positivas e negativas, com igual representatividade e densidade de carga, em equilibrio, de que lado surgirá o elemento neutro? É tentador dizer- No meio pois então!-Apesar de ser quase impossível conceber esse ponto, quando não nos é possível ter a percepção do todo.
De forma natural diremos que é fácil escolher por onde não queremos ir. Ainda que consigamos identificar esse conjunto descontinuo de nãocaminhos, estaremos sempre perante um universo igualmente vasto e imensurável de possibilidades.
Será portanto uma questão de propôr e isolar cada uma das infinitas possibilidades com que nos poderiamos deparar do ponto exterior a esse imenso conjunto que é o universo de possíveis.
O espectro futuro, quando decomposto, é constituido sem qualquer dúvida por sonhos. Não podemos ser hipócritas e negá-lo. Trata-se de escolher os diversos sonhos que se combinarão de determinada forma e com aquela sequência, levando a um final idealizado.
Quanto maior fôr o número de micro-sonhos, dimensão justa quando comparado com o todo das possibilidades, maior é a incerteza associada a esse caminho, traçado.
Velho paradigma. Ao considerar a vida constituida por ciclos que se podem ou não repetir, a importância do passado é incontestável.
Da análise consciente dos factos antes referidos e sem perder a noção da incerteza a eles associada, podemos, igualmente, encontrar o tal desígnio.

MANIF

Defender palavras sem bandeiras
simbólicas teses frias e nuas
verdades cruas.

RETÁLHOS

os melhores momentos passei-os a lêr. continuam a ser aqueles que passo em viagem, nos autocarros. são principalmente mais uma razão para não andar de carro. preciso das mãos livres, do pensamento livre para se prender com aquilo que é importante. escrever. preciso de outra metamorfose o processo é difícil.
próxima área de serviço, palmela. a sinceridade passa por dizer não. a sinceridade acima de tudo. tanto para escrever, tanto para ler e no entanto...sem retiro, sem solidão não sai nada. a vida de kafka passou-se numa enorme solidão. a qualquer preço. não para ele. o preço foi sobretudo suportado por outros. é claro que também o sentiu. a diferença reside no facto de ter apesar de tudo, chegado a mim. posso sem dúvida dizer que a quantificação dos sentimentos pode ser uma realidade. no futuro tudo pode ser realidade. dizer o contrário é pior. melhor será nada dizer. ficará apenas registado na minha memória até que o permita. no papel ficará até que ele seja sujeito. a sinceridade é mais fácil posta no papel.

Duas horas no nevoeiro

estava quase a dormir. precisava de forças para tanta actividade. contudo, ao olhar pela janela encontrei o sol. acompanhou-me até à ponte mas por lá ficou. era sem dúvida o meu sol. foi fácil reconhecê-lo por entre as núvens. era por ele que ali estava. assim que cheguei à ponte, tudo ficou envolto no mais denso dos nevoeiros. tão denso que não era possível ver nada a mais de meio metro para lá do umbigo nao dando para ver os pés. era geral. em toda a lisboa e a toda a genta isto aconteceu. este é o relato do que aconteceu em duas horas. como não se via nada, tudo ficou claro. mais claro era impossível e no entanto não se via nada para além de nevoeiro. como toda a gente faz sempre as mesmas coisas, não foi por estar tudo branco, claro, que as pessoas deixaram de o fazer. nem de forma mais lenta ou confusa. pelo menos, não mais do que o normal às 16 horas de quarta-feira nas vésperas do natal. a azáfama do costume , agravada pela época festiva. mas não pelo nevoeiro. uma senhora no autocarro ficou na paragem mais perto da farmácia. a menina bonita ficou no sítio de sempre para seguir noutro transporte de regresso a casa. eu, por outro lado, não saí na paragem do costume. não me apetecia fazer o que era habitual. saí em alcântara. não apanhei o autocarro. estava a um metro. não o vi. acabei o cigarro e fui a pé até ao calvário. nunca tinha passado naquela rua mas, já lá tinha estado. queria continuar a viagem de eléctrico. não vi nenhum. lembrei-me do 20 e fui para a paragem. entrei logo, nem foi preciso esperar. saí no marquês e entrei no expresso, no jornal. no escritório já estavam servidos. o jornal já não era lá. segui pelo parque. subi umas escadas e passei pelo hotel. tinha por hábito subir pelo passeio, junto à estrada. era sem dúvida mais agradável o caminho pelo parque. a sensação de leveza que me invadiu fazia-me sentir sem peso. a voar. encontrei um amigo, com o qual troquei uma história e a personagem principal dessa história apareceu no meio metro do meu campo de visão. nesse dia era inugurada uma exposição, na cordoaria, sobre a liberdade. não percebo por que razão não é livre a entrada. segui para o café, fumei mais um cigarro e acabei o chá.
vivemos uma vida programada, no meio de um rebanho e basta-nos meio metro para nos sentirmos diferentes de gado. as implicações de não vermos para além de meio metro não são suficientes para que deixe-mos de seguir as nossas vidas de tão repetitivas que são. deveria ser suficiente no entanto para que nos preocupassemos mais com os outros e com as implicações das nossas acções no futuro da humanidade. guiados pela monotonia, seguimos vidas já vividas com apenas meio metro de futuro.