domingo, abril 11, 2004

Duas horas no nevoeiro

estava quase a dormir. precisava de forças para tanta actividade. contudo, ao olhar pela janela encontrei o sol. acompanhou-me até à ponte mas por lá ficou. era sem dúvida o meu sol. foi fácil reconhecê-lo por entre as núvens. era por ele que ali estava. assim que cheguei à ponte, tudo ficou envolto no mais denso dos nevoeiros. tão denso que não era possível ver nada a mais de meio metro para lá do umbigo nao dando para ver os pés. era geral. em toda a lisboa e a toda a genta isto aconteceu. este é o relato do que aconteceu em duas horas. como não se via nada, tudo ficou claro. mais claro era impossível e no entanto não se via nada para além de nevoeiro. como toda a gente faz sempre as mesmas coisas, não foi por estar tudo branco, claro, que as pessoas deixaram de o fazer. nem de forma mais lenta ou confusa. pelo menos, não mais do que o normal às 16 horas de quarta-feira nas vésperas do natal. a azáfama do costume , agravada pela época festiva. mas não pelo nevoeiro. uma senhora no autocarro ficou na paragem mais perto da farmácia. a menina bonita ficou no sítio de sempre para seguir noutro transporte de regresso a casa. eu, por outro lado, não saí na paragem do costume. não me apetecia fazer o que era habitual. saí em alcântara. não apanhei o autocarro. estava a um metro. não o vi. acabei o cigarro e fui a pé até ao calvário. nunca tinha passado naquela rua mas, já lá tinha estado. queria continuar a viagem de eléctrico. não vi nenhum. lembrei-me do 20 e fui para a paragem. entrei logo, nem foi preciso esperar. saí no marquês e entrei no expresso, no jornal. no escritório já estavam servidos. o jornal já não era lá. segui pelo parque. subi umas escadas e passei pelo hotel. tinha por hábito subir pelo passeio, junto à estrada. era sem dúvida mais agradável o caminho pelo parque. a sensação de leveza que me invadiu fazia-me sentir sem peso. a voar. encontrei um amigo, com o qual troquei uma história e a personagem principal dessa história apareceu no meio metro do meu campo de visão. nesse dia era inugurada uma exposição, na cordoaria, sobre a liberdade. não percebo por que razão não é livre a entrada. segui para o café, fumei mais um cigarro e acabei o chá.
vivemos uma vida programada, no meio de um rebanho e basta-nos meio metro para nos sentirmos diferentes de gado. as implicações de não vermos para além de meio metro não são suficientes para que deixe-mos de seguir as nossas vidas de tão repetitivas que são. deveria ser suficiente no entanto para que nos preocupassemos mais com os outros e com as implicações das nossas acções no futuro da humanidade. guiados pela monotonia, seguimos vidas já vividas com apenas meio metro de futuro.

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